A escalada das tensões comerciais está afetando a economia mundial e, em parte, é responsável pelas recentes correções para baixo das nossas previsões de crescimento para 2019-20. Diante de um crescimento lento e de uma inflação abaixo da meta, muitas economias avançadas e de mercados emergentes tomaram a decisão apropriada de adotar uma política monetária mais branda, o que suscitou preocupações quanto às chamadas políticas de cada um por si e o temor de uma guerra monetária. Neste blog, discutimos as implicações das recentes ações e propostas de políticas e oferecemos opções bem mais favoráveis ao crescimento mundial para enfrentar a incerteza quanto aos desequilíbrios comerciais.
O câmbio não é a solução para tudo
Flexibilizar a política monetária pode ajudar a estimular a demanda interna, o que, por sua vez, beneficia outros países ao aumentar a demanda por seus produtos. No entanto, a preocupação, é que essa flexibilização também enfraquece a taxa de câmbio de um país, tornando as exportações mais competitivas e reduzindo a demanda pelas importações de outros países à medida que elas se tornam mais caras, em um fenômeno conhecido como reorientação das despesas. Como o espaço de algumas economias avançadas para adotar políticas monetárias convencionais é limitado, esse canal de flexibilização monetária tem recebido considerável atenção. Contudo, não se deve confiar muito na opinião de que a flexibilização da política monetária pode enfraquecer a moeda de um país o suficiente para gerar uma melhoria duradoura na sua balança comercial por meio da reorientação das despesas. É pouco provável que a política monetária por si só induza as desvalorizações grandes e persistentes necessárias para produzir esse resultado.
Como estimamos em nosso relatório de 2019 sobre o setor externo , os efeitos da reorientação das despesas em decorrência do enfraquecimento da moeda costumam ser pequenos, sobretudo em um período de 12 meses. Uma desvalorização de 10% (em relação a todas as moedas) gera uma melhoria na balança comercial de um país de cerca de 0,3% do PIB no curto prazo, em média, com a maioria dos efeitos decorrendo de uma contração das importações. Em parte, isso reflete o fato de que o comércio é, em grande medida, faturado em dólares, o que significa que, para a maioria dos países, os volumes de exportação tendem a responder pouco à variação das taxas de câmbio no curto prazo. Isso se aplica aos principais parceiros comerciais dos Estados Unidos, cujas exportações dos EUA e para aquele país são majoritariamente faturadas em dólares. Cumpre notar que, no caso dos EUA, o reduzido impacto sobre a balança comercial reflete uma resposta fraca das importações.
É certo que o ajuste se torna mais equilibrado com o passar do tempo à medida que as exportações respondem de forma mais significativa aos movimentos do câmbio, embora o efeito total da reorientação das despesas permaneça relativamente modesto: uma desvalorização de 10% gera, em média, uma melhoria da balança comercial da ordem de 1,2% do PIB ao longo de um período de três anos. Assim, embora as taxas de câmbio facilitem um ajuste externo duradouro, o efeito da reorientação das despesas decorrente do enfraquecimento da moeda, ou seu impacto negativo sobre os parceiros comerciais, não deve ser exagerado.
Opções de política contraproducentes
Para enfrentar a incerteza quanto à supervalorização da moeda, as autoridades estão estudando várias medidas. Algumas envolvem a imposição de tarifas sobre as importações de países que supostamente teriam moedas subvalorizadas. Isso faria alguma diferença? Vale a pena ter em mente um aspecto fundamental: as tarifas e as taxas de câmbio funcionam de forma diferente. Uma tarifa de 10% não compensa necessariamente uma taxa de câmbio 10% mais valorizada (supervalorizada). Tomemos como exemplo a disputa comercial entre os Estados Unidos e a China. Desde o início de 2018, a tarifa média dos EUA sobre os bens importados da China aumentou cerca de 10 pontos percentuais e aumentará mais 5 pontos percentuais se forem levados a cabo os planos recém-anunciados de impor ainda mais tarifas. Nesse meio tempo, o yuan se desvalorizou cerca de 10% em relação ao dólar, em grande parte devido a essas ações comerciais e às respectivas incertezas — a maior flexibilidade do yuan permitiu que ele funcionasse como um amortecedor contra choques comerciais.
Pode-se pensar que o impacto da elevação das tarifas sobre as importações da China seria compensado pelo fortalecimento do dólar, pois, à medida que a moeda americana se fortalecesse, os produtos chineses deveriam ficar mais baratos. Contudo, na realidade, conforme discutido em um blog anterior , os importadores e consumidores dos EUA estão arcando com o peso das tarifas. O motivo? Até agora, a moeda americana mais forte teve um impacto mínimo sobre os preços em dólares que os exportadores chineses recebem por causa do faturamento em dólares.
Além disso, é pouco provável que a elevação das tarifas bilaterais reduza os desequilíbrios comerciais agregados, uma vez que têm como principal efeito desviar o comércio para outros países. Antes, provavelmente prejudicarão o crescimento interno e mundial, ao minar a confiança e o investimento das empresas, perturbar as cadeias produtivas globais e, ao mesmo tempo, aumentar os custos para os produtores e consumidores.
Outro tipo de política proposta visa enfraquecer a própria moeda de um país diretamente por meio da compra de moedas estrangeiras ou da tributação dos fluxos de capital para compensar as políticas adotadas por outros países. Essas propostas são de difícil implementação e provavelmente serão ineficazes em vista da profundidade dos mercados de moedas de reserva, como o dólar e o euro. Ademais, têm implicações negativas para o bom funcionamento do sistema monetário internacional.
As políticas de um tipo ou do outro provavelmente incentivarão retaliações, desfazendo qualquer benefício para um único país e, ao mesmo tempo, agravando a situação de todas as nações, além de possivelmente violar obrigações internacionais como as da Organização Mundial do Comércio.
Soluções construtivas e compartilhadas
Deve-se ressaltar que não existe um desalinhamento extremo das posições externas e que as políticas de enfraquecimento de moedas por meio da intervenção nos mercados de câmbio são bem menos comuns hoje do que no passado. Os desequilíbrios externos tiveram uma queda acentuada em relação aos picos observados durante a crise financeira mundial, e a supervalorização do dólar em 2018 foi apenas moderada. Trata-se de um nítido contraste com meados da década de 1980, quando, no âmbito do Acordo Plaza, os principais bancos centrais atuaram em conjunto para fazer face a um dólar bastante supervalorizado.
Embora as posições externas não representem um perigo iminente para a estabilidade mundial, são necessárias ações certas para sustentar os avanços obtidos na redução dos desequilíbrios ao longo da última década, bem como para fortalecer o crescimento mundial. Tanto os países deficitários como os países superavitários devem atacar as fontes macroeconômicas e estruturais subjacentes de desequilíbrios, em vez de adotar medidas ineficazes, ou mesmo contraproducentes, como tarifas comerciais.
Convém aos países deficitários, como os Estados Unidos e o Reino Unido, reduzir os déficits orçamentais sem sacrificar o crescimento, bem como reforçar a competitividade de seus setores exportadores. Entre as opções, destacam-se investir mais na qualificação dos trabalhadores e incentivar a poupança para a velhice. Já os países superavitários, como a Alemanha e a Coreia, devem se valer da política fiscal sempre que possível para investir mais em infraestrutura e adotar reformas que incentivem o investimento privado. Entre as possíveis reformas, figuram apoiar a inovação por meio de incentivos fiscais à pesquisa e desenvolvimento e reduzir as barreiras à entrada nos serviços empresariais e nas profissões regulamentadas.
A China, cuja posição externa estava, de modo geral, alinhada com seus fundamentos em 2018, também tem um papel a cumprir. Em especial, são necessárias novas reformas estruturais para assegurar um reequilíbrio externo duradouro, à medida que o país aborda gradativamente as vulnerabilidades dos elevados níveis de dívida pública e privada (ver a consulta de 2019 com a China ao abrigo do artigo IV ). Entre as medidas, destacam-se reformar as empresas públicas, reforçar a rede de proteção social, abrir mais setores à concorrência privada e externa, e eliminar entraves ao comércio.
Por último, tanto os países superavitários como os países deficitários precisam reconhecer que compete a todos eles a responsabilidade de assegurar uma economia mundial mais forte e equilibrada. Isso significa buscar soluções duradouras para as disputas comerciais a fim de abordar as preocupações com subsídios à exportação e com a fraca proteção à propriedade intelectual, além de modernizar o sistema de comércio internacional em áreas como os serviços e o comércio eletrônico. Há graves problemas a enfrentar, como o aumento da desigualdade e o crescimento lento, mas a solução não está nas moedas.